Alexandra Leroy Maçanita está à frente do Departamento de Enoturismo da FitaPreta. É ela que, juntamente com a sua equipa, desenvolve todas as experiências relacionadas com visitas à Adega FitaPreta e ao Paço do Morgado de Oliveira, projeto de Enoturismo no Alentejo.
A propósito da participação na BTL - Bolsa de Turismo de Lisboa 2022, fizemos-lhe algumas perguntas.
|1| Alexandra, podes explicar-nos qual o conceito / filosofia por detrás do Enoturismo da FitaPreta?
A filosofia inerente às nossas adegas - FitaPreta (vinhos do Alentejo) Maçanita (vinhos do Douro) e AWC (vinhos do Pico, Açores) - é a de conseguir trazer o cliente para que este se sinta parte de uma experiência e da nossa vida quotidiana. Ou seja, queremos muito que o visitante que partilha um momento da sua vida connosco possa sentir o que acontece nas adegas - mais do que uma simples prova de vinhos, a nossa idea é partilhar o trabalho dos enólogos, da equipa de viticultura e de tudo aquilo que acontece diariamente dentro do nosso espaço.
Na Adega da FitaPreta, em particular, o cliente é recebido pela equipa de Enoturismo mas a qualquer momento é possível uma interação com as restantes equipas - o espaço, aliás, foi pensado dessa forma, pelo que as nossas paredes são de vidro - e a ideia é que isso aconteça sempre.
Proporcionamos momentos de vida através de provas de vinho, provas de gastronomia regional alentejana, experiências enogastronómicas, etc. É possível fazer um piquenique ou almoço connosco, ter experiências de aprendizagem, como fazer um blend de vinho ou uma iniciação à prova de vinho.
Adega FitaPreta (Alentejo).
|2| As adegas António Maçanita têm-se destacado pela preocupação em trazer vinhos de qualidade até ao consumidor ao mesmo tempo que se procura interpretar alguma da herança vinícola local. De que forma isso impacta o Enoturismo da FitaPreta?
Penso que o consumidor está cada vez mais informado sobre o que as adegas fazem e o que os vinhos representam em cada região, pelo que procuram algo mais complexo do que apenas uma prova de vinhos.
Por isso o que pretendemos ao nível do Enoturismo é ter um papel de anfitrião: representar a nossa adega, e sua filosofia, o trabalho que está a ser desenvolvido pelas nossas equipas de Enologia e Viticultura. Ou seja, a nossa missão é a transmissão dos valores das adegas, conseguindo explicar o porquê de fazermos os vinhos desta forma, o porquê da recuperação de castas desaparecidas ou de fazermos vinhos sem barrica - de forma a mostrar o potencial das castas e os seus verdadeiros aromas - o que é que pode ser um vinho branco fermentado em talha, o que é que são castas como a Tinta Carvalha ou o Alicante Branco (castas alentejanas) ou o Terrantez do Pico (casta açoriana).
Queremos contar a história dos nossos vinhos e da região onde se encontram - seja no Alentejo, Douro ou Açores - e que quem nos visita saia das nossas Adegas mais informado e com uma perspectiva transversal daquilo que fazemos e também da cultura vinícola regional.
|3| Antes dos confinamentos assistia-se a uma procura cada vez maior por experiências relacionadas com vinho. Consideras que essa tendência se mantém?
Diria que a experiência adquirida no período anterior ao primeiro confinamento (o arranque do Enoturismo no Alentejo aconteceu poucos meses antes do Covid19) permitiu-nos continuar o desenvolvimento do trabalho que já vinha a ser feito, embora adaptado à realidade do momento - fizeram-se, por exemplo, algumas provas de vinhos online, e investiu-se numa loja online na qual todas as equipas participaram.
Também foi nesse momento que percebemos que o mercado português estava pouco desenvolvido e não nos conhecia. Essa perceção foi fundamental para conseguir fortalecer o elo com o consumidor português - isso permitiu que no final dos confinamentos tenhamos imediatamente começado a receber visitas do público português, o que foi ótimo para transmitir o que fazemos nas adegas de uma forma mais profunda.
Eu diria que no setor do vinho a tendência é para um turismo de experiência, pouco apressado - o dito slow tourism. As nossas provas de vinho não têm horário marcado nem uma duração obrigatória, acontecem de acordo com o tempo que os clientes tiverem disponível, conforme as perguntas e o interesse que demonstram naquele momento e nunca há pressa.
Aqui não forçamos nada e adaptamo-nos sempre à expectativa do visitante, respeitando o tempo e a vontade de cada um.
Temos a sorte de ter uma equipa de enologia excelente, o que facilita imenso o trabalho do Enoturismo, na medida em que quando o produto é bom isso já é meio caminho andado para proporcionar boas experiências.
|4| Os últimos dois anos, por causa da pandemia, colocaram muitos projetos em stand-by. Quais são as novidades para 2022?
Para 2022 a nossa ideia é a de consolidar a oferta e fazer cada vez melhor aquilo que já fazíamos antes. Temos a sorte de ter uma equipa de enologia excelente, o que facilita imenso o trabalho do Enoturismo, na medida em que quando o produto é bom isso já é meio caminho andado para proporcionar boas experiências.
Um dos nossos objetivos é o de tornar mais regulares experiências como a Iniciação à Prova de Vinhos e desenvolver programas novos, como o Enólogo por um Ano. Esta experiência permitirá que, quem tem esse interesse, possa desenvolver um vinho connosco de forma mais consistente e continua. Em breve também vamos iniciar a Academia António Maçanita, que irá acontecer três vezes por ano e que consiste em fins de semana de muita aprendizagem e com uma parte prática de harmonização de comida e vinhos
Para além disso, 2022 é o ano de dar a conhecer as melhorias que fizemos nos nossos vários espaços, já que o período da pandemia foi aproveitado essencialmente para fazer alguns upgrades - FitaPreta (Alentejo), Maçanita (Douro) e AWC (Pico, Açores).
No caso da Azores Wine Company foi durante a pandemia que se inaugurou o alojamento, um espaço incrível junto aos currais (cercas em pedra que protegem as vinhas dos ventos atlânticos e que são atualmente considerados Património da Humanidade pela UNESCO). Na FitaPreta a pandemia também serviu para a requalificação dos espaços, que estão cada vez mais bonitos. E na Adega Maçanita também houve algumas obras para dar destaque ao projeto de Enoturismo no Douro e que permitem agora receber os nossos clientes de uma forma muito agradável nos espaços exteriores ao redor da Adega e com uma vista privilegiada para o Rio Douro.
A pandemia trouxe-nos tempo para avançar com estes projetos que já estavam pensados e agora é tempo de abrir ao público.
|5| A Herdade da FitaPreta fica localizada no Paço do Morgado de Oliveira, muito próximo de Évora - um paço de origem medieval que se tem procurado estudar do ponto de vista histórico e arqueológico. Como é que estas duas duas heranças - a vinícola e a arquitetónica - se cruzam? Qual é a ponte entre elas?
Eu diria que no caso da FitaPreta a história local reflete as castas e a forma de produzir que aqui se encontram. Uma grande mais valia é podermos estudar a história do edifício e perceber o que já existiu. Acabámos por ter a sorte de encontrar também vestígios romanos, o que é interessante tendo em conta que fomos os primeiros produtores de vinhos do Alentejo a voltar a trabalhar os vinhos da talha (que é uma tradição da ocupação romana nesta região).
Este interesse pelo passado acabou por ser determinante, também, para encontrar as vinhas do Chão dos Eremitas, com castas quase desaparecidas e hoje em dia vinificadas no Paço do Morgado de Oliveira e que em breve nos permitirão ter novidades em termos de vinhos de gamas altas.