Inconformado, disruptivo, inconveniente, ousado, inquieto, arrebatador.
Estes são alguns dos adjetivos pouco consensuais que podem definir tanto António Maçanita, enólogo e consultor, como os vinhos em que mete as mãos. António Maçanita, começou no mundo dos vinhos em 2000, nos Açores, mas é só em 2004, com 23 anos, que faz o primeiro vinho.
Onde outros não veem futuro, António Maçanita vê desafio. Veja-se o exemplo do vinho Branco de Tintas, o primeiro engarrafado em Portugal, um vinho alentejano de protesto, desenvolvido em 2008 quando a CVRA decidiu permitir a compra de uvas brancas fora de região. Outra estreia de menção, o Branco de Talha, em 2010, também o primeiro em Portugal deste género, na recuperação de uma tradição de vinificação criada pelos romanos e que viu um renascimento exponencial nesta década.
Contudo, é talvez nos Açores que a revolução é mais visível, as uvas açorianas são hoje as mais caras de Portugal. É nos Açores que António Maçanita trava a batalha para que se legalize a utilização de vinhas de cheiro (vinhas constituídas por híbridos, mas que são há 170 anos parte da comunidade, cultura e religião dos habitantes dos Açores). Como as descreve António Maçanita, num visível orgulho e entusiasmo “vinhas lindas, algumas com mais de 150 anos”.
Foi 2018 que António Maçanita ganhou tanto o título de Enólogo do Ano pela Revista dos Vinhos como o Prémio Singularidade 2018 da Revista Grandes Escolhas e a Fitapreta Vinhos recebeu o prémio de Melhor Produtor do Ano 2020, também pela Revista de Vinhos. Mas já desde o primeiro vinho que o enólogo arrecadava prémios: o vinho Preta 2004 ganhou o Trophy Alentejo, no Internacional Wine Challenge.
Também em 2016, António Maçanita recebeu o Troféu Enólogo Geração XXI 10 anos 2006-2016 da Revista Paixão do Vinho.
No mesmo ano a Revista Wine considerou a Azores Wine Company, Produtor Revelação. Em 2016 a Azores Wine Company e os seus três sócios ganham os prémios Projeto do Ano e empreendedores do Ano pela revista 100 Maiores Empresas dos Açores, do jornal Açoriano Oriental – o diário mais antigo de Portugal.
Dois anos depois, a Revista de Vinhos escolheu entre os Melhores Vinhos de Portugal 2018 a Vinha Centenária, da Azores Wine Company. Todos os vinhos assinados por António Maçanita, sejam do Alentejo, Douro ou Açores, conquistam, frequentemente o reconhecimento das mais prestigiadas publicações nacionais e internacionais.
António Maçanita produz vinhos em quatro regiões diferentes, criou três projetos de produção própria, através da sua empresa de consultoria apoia atualmente quatro produtores, e lança no mercado, anualmente, mais de 50 rótulos de assinatura.
Para entender o Enólogo António Maçanita é importante conhecer as suas origens, a sua formação e as suas viagens.
Pai açoriano, mãe alentejana. De três filhos, dois estão ligados ao vinho: os enólogos António e Joana Maçanita. Ambos nascidos em Lisboa, “mas nunca senti que fosse de Lisboa”, confessa António, enquanto explica que as férias de infância passadas nos Açores desenvolveram, nele e nos irmãos, uma forte sensação de pertença ao arquipélago, que acabaria por ter influência no seu futuro.
Foi em São Miguel que o enólogo António Maçanita cresceu com uma forte ligação ao mar e às atividades marítimas, do bodyboard à caça submarina. Essa tendência levou-o a confundir lazer com vocação e ponderar inscrever-se em biologia marinha.
Foi um amigo do pai, professor na Universidade do Algarve que o dissuadiu, aconselhando a corrigir a candidatura à faculdade e apostar na Agronomia. É aqui que as intrigas da vida se manifestam: ao corrigir a candidatura, António Maçanita erra no código do curso e acaba em Engenharia Agroindustrial.
A paixão pela viticultura, cadeira que poderia ser incluída no plano de curso ao terceiro ano, é-lhe transmitida pelo professor Rogério de Castro, um dos mais conceituados cientistas de viticultura em Portugal e também ele produtor de vinhos na região dos Vinhos Verdes.
O entusiasmo do enólogo António Maçanita valeu-lhe um convite do professor para seguir a carreira académica no Instituto Superior de Agronomia (ISA), mas António tencionava perseguir voos diferentes. O primeiro voo foi precisamente até aos Açores, onde, em 2000 e ainda durante a faculdade, tentou plantar uma vinha com dois colegas de curso.
Esses companheiros eram Frederico Vilar Gomes, atual enólogo da Companhia das Quintas, e João Palhinha, durante anos responsável de exportação para o Brasil do Esporão e hoje em dia Sales Manager da Esporão no Brasil. Tinham apenas 20 anos quando, após plantarem a primeira vinha das suas vidas, uma tempestade arrasou com o terreno.
Percebi que uma força maior me dizia: ‘volta quando estiveres preparado'.
Esse regresso do enólogo António Maçanita só aconteceria dali a dez anos.
Em apenas quatro anos, António Maçanita estagiou na Califórnia, EUA, na Austrália e em Bordéus, França. Napa Valley foi a primeira aposta. Ainda o futuro enólogo António Maçanita estava na faculdade quando passou quatro meses na Merryvale Vineyards ao abrigo do Cultural Agriculture Exchange Program. “Quando cheguei a Napa, percebi que a teoria de pouco me servia e que não sabia absolutamente nada.” De regresso à faculdade, e apesar do estatuo de rugby lhe permitir este tipo de flexibilidade, António Maçanita não foi bem recebido pelos professores.
O agora enólogo e produtor António Maçanita teve, desde sempre, desavenças com a autoridade, mas sobretudo impaciência perante o status quo.
Decorar matéria e restringir os estudos apenas à informação que iria sair nos exames nunca fez parte do seu perfil, uma postura rebelde que os professores raramente compreendiam. Em 2002, de qualquer forma, voltou à Califórnia com a intenção de trabalhar diretamente com Charles Thomas na adega Rudd Estate - enólogo na Mondavi e Opus One durante 15 anos, duas das adegas que revolucionaram os vinhos de Napa Valley. A aprendizagem com Charles Thomas era constante.
O enólogo António Maçanita fazia uma pergunta e a resposta vinha sempre em forma de ensaio. É nesta altura e com base no processo da adega onde ficou na segunda volta da Califórnia, que o enólogo António Maçanita começa a desenvolver um trabalho que acabou por definir a sua forma atual de fazer vinho: o processo de utilização de bombas versus o uso da gravidade.
Trocando por miúdos: a opção é entre um método de produção mais eficiente e rápido, ou seja, o bombeamento do mosto, que pode causar contusões ou rasgamento de peles muito frágeis, libertando aromas desinteressantes ou compostos estruturais; ou encaminhar as uvas esmagadas para a cuba de fermentação por um tapete elevatório, isto é, pela gravidade.
A escolha do enólogo António Maçanita é a gravidade e é esse o método escolhido nas suas adegas.
Isto define a minha forma de fazer vinho. É anti-investimento? É! Mas assim controlo melhor o que estou a fazer. Faço slow wine.
Após a entrega do trabalho final de curso e finalização da faculdade, o enólogo António Maçanita rumou à Austrália, onde trabalhou cinco meses na adega d’Arenberg, considerada várias vezes como uma das mais bem-sucedidas adegas australianas e o seu proprietário, Chester Osborn, já na quarta geração familiar desta casa, declarado outras tantas vezes como personalidade do ano.
Neste local, mais uma vez, o método adotado contrariava tudo o que António tinha aprendido. Ainda assim, em três semanas tornou-se responsável pelo turno da noite da secção de prensagem.
Foi através de um enólogo que conheceu na Austrália, Jack Walton, que António conseguiu que a próxima experiência fosse em Bordéus, França. Com o estatuto de rugby, acabou por conseguir um estágio no Château Lynch-Bages, em 2003. Antes disso, porém, o enólogo António Maçanita e dois amigos enviaram currículo para a Herdade da Malhadinha. Quando apenas Frederico Vilar Gomes foi chamado, António e o terceiro amigo infiltraram-se na viagem e acabaram por conseguir o emprego a triplicar.
Estava lançada a primeira pedra de interação com a indústria viticultora portuguesa.
Estes quatro anos a viajar refletiram-se muito no modus operandis do enólogo António Maçanita. Não só, obviamente, na acumulação de experiência e aprendizagem, mas na estrutura de trabalho das suas próprias adegas.
Trouxe dos EUA e da Austrália uma forma horizontal de atribuição de responsabilidade aos trabalhadores, mas de França, onde os cargos são mais hierarquizados e herméticos, trouxe o essencial convívio à mesa na vindima, com boa comida e bons vinhos.
Os vinhos António Maçanita são produzidos em diferentes regiões, mas com um fio condutor bastante firme: a recuperação histórica e a valorização das características inerentes das castas e regiões, não seguindo modas, mas sim criando-as, às vezes, sem querer. Nos vinhos de António Maçanita e na sua produção, é clara a sua dedicação ao terroir e ao desenvolvimento local sustentável.
O enólogo António Maçanita, afirma que para ele o Terroir se define pela sua definição contraditória.
Isto é,
um vinho que incorpora o Terroir de uma região, é um vinho que não poderia ser feito em nenhum outro lugar ao não ser onde foi, pois incorpora de tal forma o que é único daquele lugar: clima, exposição, solo, conjunto de castas únicas e a forma de fazer tradicional. Que para alguém intentar a sua cópia noutro local, teria que importar essas mesmas castas, plantá-las em local semelhante e produzi-las com a mesma técnica tradicional
Muito do sucesso dos vinhos António Maçanita, provém desta constante insatisfação do enólogo em querer aprofundar cada região e encontrar o que a faz única. Partilhando em cada vinho esse exercício de ensaio, teste e recuperação.
Os vinhos de António Maçanita muitas vezes põem em causa o que é a “memória colectiva” da região pois vão mais longe no tempo, pegando em técnicas e castas que já só existem nos livros antigos. Tudo isto ao serviço de encontrar o “Santo Graal” do terroir de cada região, o enólogo produz os vinhos que lhe dão gozo, grandes vinhos, únicos e cheios de personalidade, como se de uma viagem pelo passado e presente se tratasse.
É claro que existem regiões com um Terroir mais “forte” do que outras e que é essa diferença que torna um local único.
Por exemplo: “um Terrantez do Pico nos Açores, plantado na racha da rocha vulcânica, onde nada mais cresceria, a menos de 50 metros do oceano atlântico bravio, com uma casta que apenas existe nos Açores, a receber o rocio do mar constantemente, tem uma especificidade de sabor, que para a copiar só seria possível, plantando no mesmo local, com a mesma casta, é isso Terroir.”
Os vinhos de António Maçanita têm-se debruçado, sobre várias castas autóctones, quase desaparecidas no tempo, por falta de produtividade, de cor, de álcool, por darem muito trabalho ou por simplesmente estarem fora de moda.
Nos Açores, um dos vinhos de António Maçanita é produzido a 100% com a casta Terrantez do Pico, uma casta recuperada em 2010 pelo enólogo António Maçanita em colaboração com os Serviços de Desenvolvimento Agrícola da Ilha de São Miguel, que é sem dúvida um marco neste caminho de recuperação de castas autóctones. Ainda nos Açores, António Maçanita partiu para o projeto pesquisa genética das castas dos Açores, em colaboração com a Biocant, de onde resultou o artigo científico publicado em 2018 no Autralian Journal of Grape and Wine Research;
No Algarve, o sucesso do ensaio da casta Negra Molle, por António Maçanita e Cláudia Favinha, devolve esta casta às mesas portuguesas, fazendo parte do portfolio dos vinhos que António Maçanita produziu. Este ensaio resultou de um projeto de consultoria ao produtor João Clara, em 2011. A Negra Molle é talvez a casta mais antiga portuguesa, e será talvez o maior património vitícola da região do Algarve.
Em regiões como o Alentejo e Douro, em que o clima e os solos têm grandes semelhanças com outras regiões, o papel das castas torna-se ainda mais fundamental como símbolo da identidade da região e do seu ADN. Pois são elas que transportam tanto os milénios de deslocação das populações, como os vários cruzamentos espontâneos ao longo do tempo, que deram origem a novas castas, umas preteridas pelo Homem e outras escolhidas que chegaram até aos dias de hoje.
No Alentejo, pode-se dizer que é em 2007 que arranca o processo de compreensão das castas autóctones da região e que se reflete nos vinhos de António Maçanita, começando com o vinho Fitapreta Tinto que utiliza apenas as castas Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet. Segue-se em 2008, o Fitapreta Branco que se foca em vinhas velhas brancas de mistura, em 2010 o Tinto de Castelão e, em 2015 a Trincadeira (não é tão) Preta.
Contudo, é em 2018 que os vinhos de António Maçanita têm uma grande adição, a “vinha dos Chão dos Eremitas”. É a primeira vinha que António Maçanita compra no Alentejo, uma vinha de 50 anos, com castas quase desparecidas, que em tempos dominaram o Alentejo, como a: Tinta Carvalha, Moreto, Alicante Branco, Tamarez ou Trincadeira das Pratas e que vão seguramente marcar o futuro dos vinhos António Maçanita.
No Douro os vinhos de António Maçanita produzidos com a sua irmã Joana Maçanita, procuram explorar e entender o potencial dos vários Douros, tanto com a Touriga Nacional testada em vários terroirs (Letra A, Cima Corgo, Douro Superior), como entender o Douro pré “Touriganalização” que se encontra nas pequenas parcelas antigas, que restam, algumas com mais de 100 anos, e que resultam nos seus vinhos vinhos as Olgas e os Canivéis.
Todos os projetos de vinhos de António Maçanita nascem de desafios, de parcerias movidas pela amizade e pela cumplicidade de quem partilha a mesma visão e paixão pelo vinho.
António Maçanita sempre com cuidado quase de alquimista e gosto pelo desafio, aliados à irreverência que o caracteriza e à vontade de inovar, gera novos projetos que rapidamente se tornam numa grande aventura de sucesso.
Cronologia António Maçanita